
Mike Flanagan consolidou-se como um dos diretores mais notáveis do terror contemporâneo. Sua abordagem característica desafia os clichês do gênero, explorando seus limites com inteligência e criatividade. Embora nem sempre acerte, sua ousadia narrativa compensa os pequenos deslizes, tornando sua filmografia uma das mais respeitadas do cinema de horror do século XXI.
Essa habilidade fica evidente em trabalhos como O Sono da Morte (2016) e Hush: A Morte Ouve (2016), além dos filmes que ajudaram a alavancar sua carreira, como Absentia (2011) e O Espelho (2013). Seguindo essa linha, Flanagan dirigiu Jogo Perigoso (2017), um thriller psicológico produzido pela Netflix e baseado no romance homônimo de Stephen King. O longa se mantém fiel ao estilo do diretor, transitando entre o real e o imaginário, enquanto mergulha o espectador em uma atmosfera de tensão constante.
Uma História de Sobrevivência e Terror Psicológico
A trama acompanha Jessie (Carla Gugino), uma mulher que, em uma tentativa de reacender a chama de seu casamento, aceita passar um fim de semana em uma casa isolada ao lado do marido, Gerald (Bruce Greenwood), um homem rico e controlador. O casal decide apimentar a relação com jogos eróticos, e Gerald algema Jessie à cama. Entretanto, ao tentar forçar uma abordagem mais agressiva, ele é surpreendido pela recusa da esposa, levando a uma discussão acalorada. O inesperado acontece: Gerald sofre um infarto fulminante e morre antes de soltá-la.
Sozinha e presa, Jessie se vê em uma situação desesperadora. Sem chances aparentes de escapar, ela começa a ter alucinações e dialogar com vozes em sua cabeça, que oscilam entre sua própria consciência e memórias do passado. Além disso, um cachorro faminto surge na casa e começa a devorar o corpo de seu marido, tornando a situação ainda mais angustiante. O medo se intensifica com a aparição de uma figura misteriosa, cuja presença enigmática adiciona uma camada extra de terror psicológico à trama.
A Construção do Suspense e os Riscos Narrativos
Assim como em Hush: A Morte Ouve, Flanagan trabalha com um cenário reduzido e uma protagonista isolada, lidando com ameaças externas e internas. No caso de Jogo Perigoso, essas ameaças vêm tanto do cachorro e do homem sombrio quanto dos próprios demônios internos de Jessie. O diretor precisa manter o ritmo da história com poucos elementos, apostando na intensidade psicológica para sustentar a narrativa.
Para aprofundar a psique da protagonista, o filme introduz flashbacks que revelam um trauma de infância, trazendo novas camadas à personagem e sugerindo ligações entre suas experiências passadas e os conflitos no casamento. No entanto, essa abordagem pode tornar alguns desdobramentos previsíveis, diluindo parte do mistério sobre a situação das algemas. Talvez, se o filme deixasse mais espaço para o desconhecido, o impacto do suspense fosse ainda maior.
O Final Ambíguo e a Assinatura de Flanagan
Ao longo da trama, Jogo Perigoso brinca com a linha tênue entre realidade e delírio, deixando o público em dúvida sobre o que de fato está acontecendo. No desfecho, algumas respostas são fornecidas, mas a ambiguidade se mantém, conferindo ao filme um tom quase poético. Esse tipo de conclusão, característica do trabalho de Flanagan, reforça sua habilidade em transformar histórias aparentemente simples em experiências imersivas e reflexivas.
Com um equilíbrio entre horror psicológico e narrativa instigante, Jogo Perigoso se destaca como mais um acerto na carreira do diretor, provando que mesmo as premissas mais minimalistas podem render um suspense impactante.